Demanda Turística em Montevideu
COSTA, Emanuel. Fortaleza, 2022.
Localizada na costa sul do Uruguai, Montevidéu é a maior cidade do país, assim como também é a capital, abrigando cerca de 1.320.000 uruguaios, segundo o Censo de 2011 realizado pelo Instituto Nacional de Estadística (INE). Fundada em 1724, a capital é o resultado de um movimento estratégico durante as disputas pela região da Bacia da Prata, que era contestada por Espanha e Portugal. Hoje é dividida em 8 municípios, cada qual com sua respectiva prefeitura eleita pelos cidadãos inscritos no referido município.
Figura 1: Localização de Montevidéu em Uruguai
Fonte: OpenStreetMaps
A capital de Montevidéu é destacada por ser anfitriã de organizações importantes para a América Latina, sendo, por exemplo, a sede do Mercosul e da ALADI, blocos econômicos e de desenvolvimento comercial e econômico. Tendo em vista este protagonismo e desenvolvimento de Montevideo, a cidade ostenta a 19ª economia urbana do continente sul-americano, com um PIB de 45,8 bilhões e renda per capita de 26.700 dólares, recebendo a primeira posição no ranking de urbes com a melhor qualidade de vida, segundo o relatório de 2017 (Mercer, 2017).
Todo este destaque também influencia no setor cultural da cidade, ao ser descrita pela Universidade de Loughborough como “um lugar vibrante e eclético, com uma rica vida cultural” e “um próspero centro tecnológico de cultura empreendedora” (Geography Department of Ghent University, 2016). Todos estes aspectos culturais marcantes são resultados de um processo histórico que se dá desde a formação dos primeiros aldeamentos indígenas Charruas e de imigrantes sob influência do governo espanhol. A partir de então, a cidade cresceu a partir da liberdade do comércio e contato com as principais cidades da Espanha, mas com a conquista de Napoleão Bonaparte, Montevidéu sofreu diversas mudanças geopolíticas, sendo inclusive parte do Império do Brasil após o domínio de Portugal, em 1821.
Com a Guerra da Cisplatina, ocorrida entre 1825 e 1828, a cidade conquistou sua independência e
passou a ser capital do Uruguai. Estes aspectos históricos são importantes para a compreensão dos aspectos culturais e da miscigenação cultural, que se relacionam com os eventos carnavalescos que ocorrem na cidade, principalmente ao relembrar que, em meados de 1860, mais de 50% da da população de Montevidéu era composta por africanas e africanos trazidos como escravos (SILVA, 2009). Vale ressaltar que foi durante este período que fortes expressões culturais surgiram e estão até os dias de hoje integrados na sapiência popular, como é o caso do tango uruguaio, o candombe e a murga.
Após a independência da cidade, um grande número de imigrantes italianos e espanhóis, assim como de outras nações, como França, Alemanha e Holanda, atraídos pelo crescimento da economia.
Figura 2: Montevidéu no final do século XVIII
Fonte: Leonie Matthis - Gran Enciclopedia del Uruguay
Figura 3: Montevidéu em 2017
Fonte: Marcelo Campi, 2017
Tendo em vista a demografia e os fluxos migratórios que ocorreram na capital desde a sua fundação, faz-se necessário compreender os aspectos religiosos que atuam como agentes influentes para a construção dos espaços simbólicos do carnaval, sendo a religião um aspecto fundamental para a compreensão dos processos de transformação, adaptação e proibição destes festejos ao longo do tempo. Segundo relatório divulgado pelo INE em 2006, a religião mais seguida em Montevidéu é o catolicismo romano, com histórico de ter permanecido assim desde a fundação da cidade, apesar da separação entre a Igreja e o Estado, ocorrido em 1916, em todo o Uruguai. Demais religiões populares na cidade são o protestantismo, a umbanda, o judaísmo, assim como há a presença do ateísmo e do agnosticismo.
Trazendo para o setor econômico atual, o Uruguai é descrito por Guterres (2010, p. 9) como um país que sofre uma “falta de diversificação na economia”, sendo limitado apenas à economia voltada para a criação bovina e leiteira, sendo então necessário recorrer ao turismo. No que tange o projeto turístico uruguaio, a mesma autora descreve que a mídia local busca supervalorizar os aspectos naturais do país, acentuando a noção de tradição, de tranquilidade e de descanso. Esta construção também envolve as relações sociais, propagando a visão de que o povo uruguaio é “simples”, “cordial”, “receptivo” e “pacífico”. Destaque para a descrição presente no site do Ministerio de Turismo y Desporte do Uruguai, anunciando que:
“O Uruguai é um país que tradicionalmente recebe viajantes com a naturalidade das suas terras e dos seus habitantes. Turistas do mundo todo chegam procurando a beleza das suas paisagens e a cordialidade dos uruguaios, que é todo um símbolo distintivo deste país. (...) Praias maravilhosas e para todos os gostos: desde as quase virgens até as que organizam shows musicais e, desde as ondas selvagens até as familiares."
Percebe-se, portanto, que a intenção do governo uruguaio é o de criar uma imagem afetiva, tradicional, natural e preservada em conjunto com a ideia de conformidade e receptividade para os turistas estrangeiros. Nas últimas décadas, surge um forte incentivo governamental para a difusão do carnaval como produto turístico, colocando-o como o “maior carnaval do mundo”, tendo em vista a sua duração.
Após a investigação dos aspectos culturais, históricos, sociais e econômicos de Montevidéu, é possível entender que a cidade sofreu intensas transformações ao longo do tempo por causa da colonização, tráfico de escravos, imigração em massa e conflitos civis que impactaram diretamente a sociedade uruguaia ao longo dos séculos. E é com este cenário em mente que nos torna possível vislumbrar as origens das primeiras versões do “Carnaval mais longo do mundo”, hoje comemorado em todo o país, mas com a maior concentração de manifestações culturais concentradas em Montevidéu.
Os primeiros vestígios da comemoração se deram por volta de 1874, e eram celebrados na Praça Matriz, também conhecida como “Plaza Matriz de Montevidéu”, a maior praça da cidade durante a dominação espanhola, servindo de palco para inúmeras manifestações civis e militares, festejos e touradas.
Figura 4: Praça Matriz
Atualmente, o Carnaval de Montevidéu é celebrado durante 40 dias, começando no final de janeiro e terminando em meados de março, abrangendo espetáculos, manifestações culturais, festas e desfiles de rua. Para dar início às celebrações, acontece o desfile Inaugural e o Desfile de Llamadas, ambos acontecendo na avenida 18 de Julio. Ambos os eventos representam um grande marco para o evento, já que o primeiro abre as celebrações com grande parte dos grupos participantes, que circulam na avenida ostentando seus carros alegóricos e acompanham o cortejo das Rainhas do Carnaval. Já o segundo, que acontece no mês de Fevereiro, reúne comparsas para expressarem a cultura afro-descendente presente no país, pois possui um simbolismo marcante que retorna à historicidade da capital durante os séculos XVIII e XIX, ao fazer referências aos encontros dos negros escravos que se reuniam fora da cidade para celebrar.
Durante os festejos, milhares de espectadores, foliões, dançarinos e músicos praticam o Candombe, ritmo de origem africana que tem sido chave importante da cultura do Uruguai desde o século XVIII (MECHACA, s.d.). Proveniente da cultura herdada dos escravos africanos, o ritmo tornou-se popular e impactante nos carnavais do país, evoluindo conforme as transformações que o Uruguai sofreu ao longo do tempo. Os escravos, oriundos de uma África heterogênea, multiétnica e com uma variedade cultural exorbitante, chegaram na região do Rio da Prata trazendo consigo os bailes, a evocação dos ícones místicos de sua terra natal, seus lamentos por sua situação desumana e a nostalgia de suas antigas vidas. Para tanto, eles expressaram suas emoções profundas reunindo-se nos “tangós”, lugares de reunião que receberam o mesmo nome dos tambores utilizados para as celebrações. Em 2009, o Candombe foi declarado como Patrimônio Cultural do Paraguai, acreditando que se possa haver uma sociedade sem discriminação social e racial, garantindo então a conformação das raízes da identidade nacional e cultural do Uruguai. No Carnaval, é o principal ritmo da Sociedad Negros y Lubosos, grupo de comparsas formado por dançarinas, tocadores de tambores e atores que encenam personagens típicos.
“Neste aspecto, o Candombe consiste em um intrigante conto musical sobre as obscuras origens do tango, um dos gêneros musicais mais conhecidos na América Latina. Eles conseguiram preservar sua memória ancestral ao som do Chico (um tipo de tambor), do piano, e do repique.” (MECHACA, s.d.).
Figura 5: Grupo apresentando o Candombe
Fonte: Jornal El País Uruguay
Além de Montevidéu, todas as cidades do interior do Uruguai possuem as suas próprias maneiras de celebrar os desfiles inaugurais, cada qual com suas próprias singularidades, mas em todos os modelos existentes de festejar o Carnaval uruguaio, têm-se a presença do humor satírico que, por algumas vezes, critica o governo e expressam a visão do povo sobre algumas questões nacionais e internacionais. Também há os arranjos multicoloridos, vestimentas e maquiagens e alguns comparsas que não podem deixar de participar, cada qual com o seu papel dentro do sistema carnavalesco: os humoristas, que têm a função de apresentar recitais e entreter o público; os parodistas, que encenam paródias sobre algum evento histórico, personagem ou filme; as revistas, que são grupos de coreografias; e as conhecidas murgas, que trata-se de um gênero teatral que une atores, músicos e cantores para ilustrar, de forma cênica, críticas políticas e sociais.
Durante a pandemia do Covid-19, a capital anunciou a suspensão de grande parte dos eventos tradicionais do Carnaval, conforme leis sanitárias e protocolos de segurança. Apesar dos decretos, a prefeitura de Montevidéu abre exceções para que os concursos dos comparsas fossem realizados seguindo algumas medidas de segurança.
Em 2022, após um ano de proibições, Montevidéu anuncia a sua edição do Carnaval com 100% da capacidade, com o intuito propagado de homenagear o falecido ex-presidente Tabaré Vázquez. Segundo notícia publicada pelo jornal Estado de Minas - Internacional, os organizadores declararam que Vázquez era um grande entusiasta do Carnaval, e que celebrá-lo simboliza “uma parte substancial da cultura uruguaia”.
Figura 6: Mapa cognitivo do Carnaval de Montevidéu
Referências bibliográficas
https://istoe.com.br/montevideu-suspende-desfiles-de-carnaval-de-2021/
https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2021/12/06/interna_internacional,1328878/c
arnaval-de-montevideu-volta-em-2022-com-100-da-capacidade.shtml
https://www.ucs.br/ucs/eventos/seminarios_semintur/semin_tur_6/arquivos/03/Turismo%20n
o%20UruguayMontevideo,%20imagens%20em%20construcao.pdf
https://www.brasileirosnouruguai.com.br/blog/o-carnaval-no-uruguai
https://turismo.gub.uy/index.php/pr/uruguai-e/item/276-carnaval
https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/196009
http://www.scielo.org.co/pdf/res/n26/n26a07.pdf
http://promosorte.com.br/felipenardeli/casacultura/?page_id=4588#:~:text=Candombe%20é
%20um%20ritmo%20procedente,e%20nos%20carnavais%20do%20país.
https://svr-net18.unilasalle.edu.br/?p=612
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